Uma nova confusão no processo de aquisição de trilhos pela Valec pode ampliar o já crônico atraso que toma conta das obras da Ferrovia Norte-Sul. Dessa vez, o imbróglio envolve a apresentação de garantias financeiras que a fornecedora de trilhos contratada pela estatal deveria ter feito ainda no ano passado, para que a Valec emitisse a ordem de serviço para fabricação dos trilhos. Até hoje, porém, nada aconteceu.
No dia 6 de novembro de 2013, a Valec assinou contrato com o consórcio Pietc/RMC, formado pela fabricante chinesa Pangang e seu representante local, o escritório RMC, de Belo Horizonte. Dois meses antes, esse consórcio venceu um pregão para fornecer 95,4 mil toneladas de trilhos para a Norte-Sul, com proposta total de R$ 402,4 milhões. Pelo contrato, o consórcio tinha que apresentar as garantias financeiras – um tipo de seguro para o contratante – no valor equivalente a 5% do montante contratual, ou seja, um depósito de R$ 22,1 milhões. Ocorre que essa garantia teria de ser apresentada em até 15 dias úteis após a assinatura do contrato. Caso isso não ocorresse, o consórcio estaria sujeito a medidas como “rescisão contratual e a aplicação das sanções previstas neste contrato”.
O fato é que, passados cinco meses e meio desde a assinatura do contrato, até hoje a garantia não foi depositada pelos chineses ou por seu representante nacional. A Valec não impôs nenhum tipo de sanção ao consórcio.
Procurado pelo Valor, o administrador da RMC, Wagner Correa da Costa, não quis explicar porque as garantias não foram depositadas, nem se havia perspectiva para isso. “Não tenho nada a declarar”, disse.
A Valec só concordou em tratar do tema por meio de nota oficial. Segundo a estatal, a entrega das garantias financeiras tem sido adiada porque “a Valec entende como prudente a prorrogação do prazo”. No dia 6 de dezembro de 2013, segundo a estatal, o consórcio chegou a apresentar garantias, mas essas, “inicialmente, não atendiam ao edital”. A Valec não explicou que garantias eram essas e por que elas não atendiam aos critérios exigidos pelo contrato.
Por conta dessa situação, alega a Valec, o prazo foi prorrogado. Um ultimato foi dado ao consórcio para que resolva a situação até amanhã, dia 24, data em que o consórcio terá de apresentar, “impreterivelmente”, as suas apólices. Apesar do silêncio da RMC sobre o assunto, a Valec assegurou que foi informada pela empresa de que “as garantias haviam sido aprovadas tecnicamente pela instituição afiançadora, faltando apenas sua emissão”.
O impasse com as garantias do contrato não é o único problema. No início do ano, a Valec decidiu que a assinatura do contrato pela representante RMC não bastaria para garantir a viabilidade do acordo. Decidiu-se, portanto, que os chineses da Pangang também teriam de assinar o documento. “Para assegurar uma ainda maior segurança técnica no fornecimento, a fabricante aderiu ao contrato como consorciada anuente, em 31/03/2014”, informou a Valec.
A estatal alega que “aceitou a prorrogação do prazo nos termos da lei para que o processo licitatório fosse aproveitado e o aditivo interveniente fosse assinado na data supracitada”. Durante esse período, a Valec chegou a enviar funcionários até a China para vistoriar as instalações da fábrica da Pangang.
Desde janeiro de 2011, a estatal não consegue fazer o básico: comprar trilhos para as suas ferrovias. São mais de três anos gastos em editais e pregões revisados e cancelados, por conta de impasses jurídicos envolvendo concorrentes e intervenções do Tribunal de Contas da União (TCU) que, ao longo desse período, apontou diversas irregularidades nas tentativas de compra feitas pela estatal.
A novela dos trilhos é acompanhada com preocupação pelo ministro dos Transportes, César Borges. O temor é que, mais uma vez, o processo licitatório seja alvo de questionamentos e, novamente, retorne à estaca zero. Se as garantias financeiras forem depositadas amanhã pelo consórcio Pietc/RMC, como espera o governo, a ordem de serviço para uma primeira remessa de trilhos será dada imediatamente. A chegada das barras de aço aos canteiros de obra, no entanto, tem previsão de ocorrer apenas daqui a três meses, ou seja, em meados de julho a agosto.
Os três lotes adquiridos com os chineses têm como destino o trecho sul da Norte-Sul, entre as cidades de Ouro Verde (GO) e Estrela D’Oeste (SP), com 680 km de extensão. Mesmo sem ter os trilhos à disposição, o governo promete que, até dezembro deste ano, 100% do trecho estará concluído. O avanço das obras verificado até dezembro do ano passado chegou a 50,1%. A Valec afirma que “um possível atraso está sendo mitigado com o assentamento dos dormentes, para posteriormente assentar os trilhos” e que até o momento, “há frentes de obras suficientes para não interromper as obras até a chegada dos trilhos”.
Fonte: Valor Econômico