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Mudanças no mundo do trabalho exigem reinvenção do movimento sindical

As mudanças no mundo do trabalho diante das inovações tecnológicas e da reforma trabalhista aprovada após o golpe de 2016 trouxeram obstáculos à atuação do movimento sindical, que exigem novas formas de organização e sustentação financeira. Os sindicatos terão que se reinventar, a fim de representar a nova classe trabalhadora e defender os seus direitos.

Essa nova e desafiadora realidade foi objeto de análises, reflexões e debates, durante o Seminário Estadual do Coletivo Jurídico da CUT-RS, realizado ao longo desta sexta-feira (6) no auditório lotado do SindBancários, no centro de Porto Alegre, que reuniu mais de 120 dirigentes sindicais e assessores jurídicos de sindicatos e federações da Capital e do Interior.

O evento coordenado pelo secretário de Relações de Trabalho da CUT-RS, Antonio Güntzel, junto com o Coletivo Jurídico, foi preparatório ao 13º Congresso Nacional da CUT (CONCUT), que será realizado de 7 a 10 de outubro, na Praia Grande, no litoral paulista, e ao 15º Congresso Estadual da CUT (CECUT-RS), marcado para 22 e 23 de novembro, na capital gaúcha.

Todo ciclo termina

“Nós recebemos a pancada do golpe e da prisão política do Lula e agora vemos um presidente da República queimar não só a Amazônia, mas também os direitos trabalhistas, a Previdência, a educação, o patrimônio público e a soberania nacional. Esses criminosos, que hoje conduzem o país, não possuem nenhum tipo de compromisso com o futuro do nosso povo, com os sindicatos existentes ou com aqueles que vem por aí”, disse o presidente da CUT-RS, Claudir Nespolo, ao saudar os participantes na abertura do encontro criticando o governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro (PSL).

Para o dirigente sindical, o empresariado quer aproveitar a crise para impor derrotas ao movimento dos trabalhadores. “Eles sabem que todo ciclo termina e, por isso, têm agora pressa em fazer uma reforma sindical no país”, enfatizou. Uma das medidas que o governo estuda é o fim da unicidade sindical no Brasil.

Segundo Nespolo, “os sindicatos precisam encontrar alternativas para encurtar o ciclo dessa crise social, econômica e política do país”, frisando que “estão correndo um risco muito alto, caso não consigam dar respostas aos problemas de representatividade e financiamento das entidades”.

Querem um sindicalismo pobre e desvinculado da esquerda

O secretário nacional de Assuntos Jurídicos da CUT, Valeir Ertle, apontou uma série de desafios para garantir o futuro e a sobrevivência do movimento e defendeu a liberdade sindical. “É o direito dos sindicatos frente às empresas, visto que o diálogo com as entidades patronais é sempre desigual”, ressaltou.

Ele refletiu também sobre o tipo de sindicalismo que os detentores do poder político e econômico querem. “Eles desejam um sindicalismo pobre, sem receitas, desvinculado de qualquer visão de mundo de esquerda, onde o negociado prevaleça sobre o legislado. Esse é o modelo sindical que os poderosos querem e que nós não podemos deixar que venha a existir”, destacou Valeir.

“O impacto da reforma trabalhista já está aí. São 5 milhões de profissionais do ramo do comércio trabalhando sob o regime de contratação de Pessoa Jurídica. É o setor que mais emprega no Brasil. No entanto, sem garantir proteção social alguma ao trabalhador”, denunciou Valeir.

O dirigente nacional da CUT alertou que a precarização dos contratos afeta diretamente o caixa da Previdência, uma vez que, sem recolhimento das contribuições em folha, muitos deixam de pagar o INSS, prejudicando o pagamento de benefícios.

A importância da negociação coletiva

O assessor jurídico da CUT Nacional, José Eymard Loguercio, fez uma exposição sobre organização sindical e negociação coletiva. Ele destacou que no Brasil, Uruguai e Argentina três em cada quatro trabalhadores assalariados estão cobertos por acordos e convenções coletivas de trabalho.

Já no Chile, onde a ditadura do general Pinochet não apenas torturou e matou opositores, como também desmontou a organização sindical e implantou a pluralidade com o surgimento de milhares de sindicatos por empresas, hoje menos de 10% do total de assalariados estão amparados por instrumentos coletivos. Na Colômbia, Peru e México, que também passaram por governos autoritários nas últimas décadas, as taxas de cobertura são ainda menores, ficando abaixo dos 5%.

Eymard alertou que com o fim do imposto sindical, aprovado na reforma trabalhista, pode ter sido um passo para o governo Bolsonaro tentar acabar com a unicidade e com o critério do sindicato único por categoria, mas isso só pode ser feito através de uma emenda constitucional. Segundo o advogado, “o sistema da pluralidade sindical reconhece a autonomia e a liberdade dos trabalhadores e empresários para a formação de sindicatos, porém de acordo com critérios por eles estabelecidos”

O futuro diante dos avanços tecnológicos

A pesquisadora e economista gaúcha Marilane Teixeira, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), falou sobre “o futuro da organização sindical diante dos avanços tecnológicos”, lembrando que “sempre ocorreu resistência à introdução de tecnologias nos processos de produção e organização do trabalho”. Ela citou a primeira e a segunda revolução industrial.

No Brasil, Marilane observou que, no final dos anos de 1980, começava a se discutir o tema da política industrial e, na ocasião, foi encaminhado ao Congresso Nacional um projeto de lei que proibia a importação de robôs pela indústria automotiva. “O que aconteceu com o emprego na época? O desemprego resultante das novas tecnologias não foi elevado porque outros setores absorviam mão-de-obra dispensada pela automação”, explicou.

Segundo a pesquisadora, “uma característica que distingue essa etapa atual é padrão tecnológico e como ele afeta as ocupações. Antigamente os mais atingidos foram as profissões de setores da classe operária mais qualificada em que rotinas, procedimentos padronizados, controle numérico, foram introduzidos. Trata-se de atividades com menores níveis de sofisticação da força de trabalho”.

“Hoje atinge os trabalhos que envolvem decisões complexas e são preenchidos pela classe média. São médicos, advogados, engenheiros. Os médicos vão sofrer uma devastação, pois os robôs são capazes de realizar análise de diagnósticos em 30 minutos o que 150 médicos fazem em uma semana”, frisou.

“Estudos sugerem que a taxa de desocupação na Europa atingirá 70% em 20 anos”, apontou. “Alguns países, como a Finlândia, já definiram medidas de proteção, como um programa de renda mínima”, salientou.

“A tecnologia sempre vence porque aumenta a produtividade”, destacou. “As grandes empresas estão obcecadas pelas novas tecnologias, com grande concentração em poucas corporações. Elas buscam ganhos de escala”, explicou Marilane. “Até o momento, a evidência é seguinte: a Quarta Revolução Industrial parece estar criando menos postos de trabalho nas novas indústrias do que as revoluções anteriores”.

“Qual é a tecnologia que nós precisamos para ter uma sociedade desenvolvida com igualdade e equilíbrio”, questionou a economista. “Será que a solução é uma renda mínima para quem está nascendo e nunca terá um emprego? Imagine alguém que vai ter uma existência sem oportunidade de trabalhar! É isso que nós queremos para a sociedade do futuro?”

Outros debates

O seminário ainda teve exposições do secretário nacional de Finanças da CUT, Quintino Severo, e do assessor jurídico do Macrossetor da Indústria da CUT Nacional, Mathius Sávio Lobato, que analisaram temas igualmente desafiadores, como a reestruturação e a sustentação financeira das entidades sindicais e o processo de negociação coletiva.

Também fizeram apresentações nas mesas de debates os advogados Milton Fagundes, Antônio Escosteguy Castro, Denis Einloft e Antonio Carlos Porto Júnior, todos integrantes do Coletivo Jurídico, robustecendo as discussões sobre as transformações no mundo do trabalho e refletindo sobre as três questões pautadas para os congressos da CUT: “quem devemos representar, como devemos nos organizar e como devemos nos financiar”.

Houve ainda espaço para manifestações dos participantes, que expressaram as suas preocupações com o impacto das novas tecnologias e defenderam também a necessidade de construir alternativas para enfrentar essa realidade.

Essas mesas foram coordenadas pelo secretário-geral adjunto da CUT-RS, Amarildo Cenci, pela secretária de Formação da CUT-RS, Maria Helena de Oliveira, e pela secretária da Mulher Trabalhadora da CUT-RS, Isis Marques.

Fonte: CUT



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