O leilão do trem-bala foi novamente adiado. O cancelamento da licitação neste ano foi a medida acertada, embora o governo tenha esperado praticamente até o último momento para tomar a decisão. Muito antes das contundentes críticas recebidas nas manifestações populares de junho já se sabia que é bastante polêmico o projeto de ligar por um trem de alta velocidade as cidades do Rio, São Paulo e Campinas ao custo astronômico de R$ 38 bilhões. Os protestos deixaram claro que havia demandas mais urgentes na lista de prioridades da população. Agora o futuro do trem-bala ficou ainda mais incerto com as denúncias de suposto cartel em licitações do metrô e dos trens paulistas, envolvendo vários interessados no trem de alta velocidade, como a alemã Siemens e a francesa Alstom. A Alstom foi a única empresa que prometia apresentar uma proposta no leilão junto com a operadora estatal SNCF. Outros candidatos pediram mais prazo. Os espanhóis, com a Talgo e a Renfe, queriam mais dois meses, e o grupo liderado pela Siemens, mais seis meses. O motivo oficial do adiamento, o terceiro do trem-bala, foi a falta de disputa, pois havia um único interessado, apesar de o governo ter assumido praticamente todos os riscos da operação com a participação dos Correios e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O governo esperou chegar a quatro dias da data da entrega das propostas para anunciar a decisão. A demora chegou a ser atribuída ao receio de contaminar o ambicioso programa de concessões programado para este semestre, com o qual o governo conta para animar a economia e o humor dos investidores. No entanto, mais prejudicial para as expectativas são as hesitações, que se somam a outras demonstrações de uma administração duvidosa das concessões. Foi o que aconteceu no episódio do erro de planejamento do Ministério das Minas e Energia, (Valor, 12 de agosto), que impedirá o aproveitamento integral da energia gerada pelas usinas de Jirau e Santo Antônio no rio Madeira, em Rondônia, no fim do ano, como se planejava. Essas usinas foram licitadas entre 2007 e 2008 e receberam investimentos de R$ 36 bilhões. O governo sabia desde o fim de 2010 que havia uma incompatibilidade entre os sistemas de supervisão e controle das usinas e do complexo de transmissão. O problema põe em risco a produção e o aproveitamento de toda a energia gerada e só será resolvido com a instalação de equipamentos que não faziam parte do projeto original, prevista para dezembro. O programa de licitações do governo Dilma é extenso e ambicioso. Inclui alguns ativos bastante cobiçados, como o petróleo do pré-sal do campo de Libra, que deve ser leiloado em outubro; e os aeroportos do Galeão e Confins, a serem licitados no mesmo mês. Já haveria cinco grupos, todos com a participação de um operador internacional, interessados no Galeão, cujo preço mínimo é de R$ 4,73 bilhões. Mas há outros ativos mais complexos de se licitar, como as 31 áreas de terminais nos portos de Santos e do Pará, com prazos de cinco a 25 anos de arrendamento e que deverão receber R$ 3 bilhões em investimentos. Os eventuais interessados têm criticado a taxa interna de retorno desses empreendimentos, fixada entre 7% e 7,5% pelo governo. Empresários ouvidos pelo Valor consideraram “ridícula” a taxa de retorno definida por Brasília, em um cenário macroeconômico em que a taxa básica de juros está em 8,5% e a inflação ao redor de 6%. Enquanto alguns investidores acenam com a desistência, outros chamaram de “coerção” a fixação de uma taxa de retorno, agora que o setor possui um novo marco regulatório, com custos e riscos ainda desconhecidos. O governo já havia enfrentado a mesma reação no fim de julho, quando o Conselho Nacional de Desestatização aprovou o modelo operacional e as condições gerais para concessão de nove trechos de rodovias federais, abrangendo um total de 4.426 quilômetros de seis estradas, agrupados em seis lotes a serem leiloados na BM&FBovespa. A taxa interna de retorno foi fixada em 7,2% no caso das rodovias, isso depois de uma revisão. Mudanças constantes nas intenções e nos termos das concorrências podem afugentar investidores. No caso do trem-bala, porém, isso seria benéfico. Os investidores até agora relutaram e, de adiamento em adiamento, o projeto fica mais perto de morrer no papel.
Fonte: Valor Econômico