Craudionor Oliveira, ex-policial militar na Bahia, tem uma extensa ficha criminal. Dentre outros ilícitos, é um dos integrantes da quadrilha que desviava verbas das obras do metrô de Salvador, iniciadas há mais de 12 anos. A historinha é ficção e foi contada no episódio ‘Hoje tem arrastão’, do seriado A Grande Família, da TV Globo. Com interpretação do baiano Luís Miranda, o personagem, que também atende pela alcunha de Pajé Murici, fez o problema do metrô da capital, já bem conhecido entre os baianos, virar chacota nacional.
Em mais de uma década de obras do metrô, a população de Salvador recebeu uma série de promessas: do funcionamento do equipamento com 12 km de extensão, até o início em fase de testes, de graça, por seis meses, a partir de maio deste ano. Depois, o último prazo foi adiado para julho. Chegou a ser noticiado que o Exército fiscalizaria as obras. Nada disso aconteceu.
A construção da linha 1, de 6,5 km, que já consumiu mais de R$ 1 bilhão dos cofres públicos, continua no mesmo lugar. Os trens, que chegaram a Salvador em 2008, já até passearam pelos trilhos em um ato oficial e continuam em fase de testes desde dezembro de 2011, mas nunca levaram um passageiro sequer a seu destino.
Quase dois meses após o vencimento do prazo para início dos testes gratuitos com a população, também estabelecido pela Prefeitura, a novidade é a inexistência de uma empresa que coloque o sistema em operação.
Em entrevista recente, o titular da Secretaria Municipal dos Transportes e Infraestrutura (Setin), José Luiz Costa, afirmou que seis candidatas recusaram os termos do contrato. No entanto, dentro de um mês, outro prazo se encerra: a secretaria precisa apresentar uma operadora para o metrô em 30 dias.
Para os organizadores da manifestação ‘Aniversário de 12 anos do Metrô de Salvador’, que reuniu cerca de 500 pessoas em passeata no ano passado, o modal é a solução para a mobilidade, mas precisa ser levado a sério. “Uma gestão competente, que vise ampliar a malha ferroviária, pode, sim, entregar esse metrô e cumprir a principal demanda da cidade, que é o transporte público”, diz o estudante universitário Aluã do Carmo.
O secundarista Cícero Cotrim concorda com o colega e afirma que “é preciso mais do que manifestações para chamar a atenção da população”. Para ele, são necessários debates para explanar a situação.
Metrô não é lucrativo
Procurado para falar sobre o metrô de Salvador, o atual secretário de Transportes e Infraestrutura do Município, José Luiz Costa, não se manifestou. Para o engenheiro de tráfego paulista Horácio Augusto Figueira, especialista em sistemas metroviários, a negativa das seis empresas ao contrato é compreensível, já que o metrô não gera lucro e precisa que parte de seus custos sejam subsidiados.
“Quem vai pagar a conta? Se nós fôssemos querer cobrir os gastos da construção, o bilhete custaria uma fortuna”, afirma. É com o que concorda o engenheiro João Batista, coordenador de obras da Companhia Brasileira de Trens Urbanos/Metrô do Recife (CBTU-Metrorec). “Cada cidade tem uma realidade própria, mas, em todos os países do mundo, o metrô é um transporte subsidiado”, diz.
Para Batista, é preciso avaliar a função social do serviço. “Se você quer privilegiar a classe operária, tem que colocar uma passagem com um valor que a população com menor poder aquisitivo possa comprar. Se quer que seja um instrumento lucrativo, coloca a passagem a R$ 5, R$ 8. Mas, como transporte de massa, ele é subsidiado no mundo inteiro, não consegue atingir uma taxa de cobertura plena”, afirma.
Organização como saída
Enquanto o ‘elefante branco’ não diz a que veio, especialistas apostam na organização do tráfego de veículos como uma possível solução para melhorar a mobilidade urbana. É o que diz o professor Figueira. “Em São Paulo, os corredores de ônibus já deveriam estar funcionando há bastante tempo, mas isso implica tirar das ruas um número grande de automóveis particulares”, afirma. Segundo ele, Salvador deveria investir também nos corredores, para que os ônibus “funcionem a pleno vapor enquanto o metrô não vem”.
Já João Batista, de Recife, diz que o equipamento não é necessariamente inviável, mas insuficiente para a necessidade da capital. “Do jeito que está o trânsito nas grandes cidades, como é o caso de Salvador, de Recife, um transporte de alta capacidade é muito bom, porque desafoga o tráfego, tira muitos carros da rua, tem a capacidade de dezenas de ônibus”, diz. Para ele, no entanto, é necessário planejamento urbano a longo prazo. “Você faz um planejamento para ter uma solução, de preferência, definitiva”, diz.
Fase de testes não dura seis meses
No início dos testes nos trilhos, em dezembro de 2011, o prefeito João Henrique (PP) garantiu que a espera havia terminado. “Salvador tem muito o que comemorar, afinal já no segundo semestre toda a população poderá desfrutar de mais um serviço de mobilidade urbana”, disse. O atual chefe da Setin, José Luiz Costa, no entanto, vem se esquivando do assunto. A reportagem do Metro1 tentou por uma semana falar com o titular. O Jornal da Metrópole também o fez e recebeu a mesma resposta da assessoria da pasta: uma nota oficial seria enviada, o que não ocorreu até o fechamento desta edição.
De acordo com Horácio Augusto Figueira, a fase de testes não pode ser cumprida em apenas seis meses, já que é necessário que tudo funcione perfeitamente. “Nas atuais circunstâncias, para que o metrô de Salvador possa funcionar a pleno vapor, leva-se mais um ou dois anos”, afirmou o especialista, que considera inviável a utilização de um metrô de 6,5 km para solucionar o problema da mobilidade da cidade. “Não resolve o problema de Salvador e de nenhuma cidade com esse volume de habitantes”, avalia.
Metrô em outras cidades
Em entrevista ao Correio, na última sexta-feira (24), o secretário municipal de Transportes e Infraestrutura, José Luiz Costa, declarou que outras cidades brasileiras tiveram problemas na implantação do metrô, como São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, mas conseguiram, posteriormente, provar a viabilidade do sistema. “Salvador está passando por isso”, argumentou. A justificativa, no entanto, não se aplica ao metrô de Curitiba, cuja previsão de término é 2016, nem de São Paulo, Rio de Janeiro ou Recife, em operação há mais tempo. Para o gerente de obras do Metrô do Recife, João Batista, os problemas são particulares a cada caso.
Segundo Figueira, o prazo médio entre o início da obra e a operação plena do sistema metroviário varia entre seis e sete anos. No caso de São Paulo, as obras iniciaram em 1968 e já em 1972, o equipamento funcionava com 8 km. Dois anos depois, já ligava a Zona Norte à Sul. No Rio de Janeiro, o metrô começou a operar em 1972 e, em Recife, o intervalo entre o início das obras e o transporte dos primeiros passageiros foi de dois anos e dois meses, entre 1983 e 1985. O metrô da capital pernambucana opera, hoje, com 38 km, em duas linhas, com bilhetes a R$ 1,60. Para Figueira, o caso de Salvador é atípico. “Uma obra que se arrasta por 13 anos significa uma falta de vontade política. Daqui a pouco, o metrô de Salvador está debutando”, disse o especialista.
Fonte: metro1